sábado, 7 de março de 2009

Crítica de filme: Watchmen (parte I)

O que pode ser escrito de Watchmen que já não tenha sido debatido na internet à exaustão? Nunca um filme foi tão dissecado quanto esse.

No entanto, sei que muitos não fazem idéia do porquê de toda essa comoção sobre o filme e, apesar de eu não ser uma daqueles caras que leu o material base 25 vezes (li apenas 3 vezes), acho que posso me arriscar começando pelo básico. Vamos lá.

- O que é Watchmen? 

Watchmen é uma HQ (sim, história em quadrinhos, não uma graphic novel) composta de 12 edições lançada em 1986 e acabando em 1987. Seu autor é Alan Moore, um dos grandes autores de quadrinhos do mundo e o desenhista é Dave Gibbons. Muitos a consideram a melhor HQ já escrita e ela figura entre as 100 mais importantes obras de literatura de 1923 ao presente na lista de 2005 da Time, o que é uma honra dupla já que a revista tem enorme reputação e Watchmen é a única representante dos quadrinhos por lá.

Mas Watchmen é mais que isso. Essa HQ, junto com The Dark Knight Returns de Frank Miller, lançada pouco antes, redefiniu o gênero de HQs de super-heróis e, mais importante, trouxe à evidência essa espécie de literatura, que andava rateando desde o final de década de 70. O herói que não é bem herói, cheio de conflitos e atitudes dúbias, em suma, o super herói mais humano foi "criado" com essas duas HQs, ao ponto de hoje ser quase que o padrão da indústria, para desespero de Alan Moore. E mais: sua versão compilada em "graphic novel", junto com a de The Dark Knight Returns, abriu um novo nicho mercadológico para as HQs, que perdura fortemente até hoje.

- Tá bom, entendi que Watchmen é importante. Mas do que se trata? 

Watchmen se passa nos Estados Unidos e conta a estória de um 1985 distópico, diferente do que vivemos, em que o mundo continua na enorme tensão nuclear entre as maiores super-potências, Nixon está no terceiro mandato como presidente dos Estados Unidos, o país se tornou quase fascista e os heróis mascarados efetivamente existiram mas foram banidos ao final da década de 70 por força de lei (o tal Keene Act). A estória começa com o assassinato do Comediante, um herói que fez parte de dois grupos de gerações diferentes de heróis: os Minutemen na década de 40 e os Crimebusters. Rorschach é o único mascarado que contiuna atuando, à margem da lei, e ele começa a desconfiar que alguém está matando os heróis. Sua investigação o leva a reunir seus ex-colegas de aventuras mas o que ele acaba descobrindo vai muito além de uma trama de assassinatos em série. Nesse 1985 alternativo, apenas um dos heróis tem poderes de verdade, o Dr. Manhattan, um ser que pode manipular a matéria e que é utilizado pelos EUA como uma arma na Guerra Fria. Nesse mundo alternativo, o Dr. Manhattan também é o responsável por várias inovações tecnológicas como carros elétrico e dirigíveis viáveis.

- Caramba, estão é sobre super-heróis a estória?

Sim e não. Alan Moore usa os super-heróis para criticar o gênero de super-heróis, os Estados Unidos, o consumismo, o belicismo e a própria natureza humana. Todos os chamados heróis são seres falhos, uns mais que os outros. É uma fantasia nihilista, que desconstrói o gênero de super-heróis, moendo-o completamente e, talvez por isso mesmo, reforçando-o. Assim, a HQ ultrapassa de certa forma a pecha de "estória de super-herói", alcançando algo muito maior.

- São super-heróis que conhecemos?

Não especificamente mas eles são facilmente reconhecíveis. Explico.

Alan Moore, em sua idéia original, queria utilizar os heróis da Charlton Comics, da década de 40, que tinham acabado de ser adquiridos pela DC Comics (que encomendou a obra para Moore). Como em seu esboço original Alan Moore meio que tornaria os heróis inutilizáveis ao seu final (não estou revelando nada de mais ao falar isso) a DC Comics vetou o uso desse personagens. Moore, então, inspirou-se nos heróis da Charlton para criar os seu próprios. Não vale a pena dizer que heróis da Charlton inspiraram os personagens de Moore. Isso é fácil de achar surfando a internet. O importante é que os heróis de Moore são reflexos muito claros de famosos super-heróis que estamos acostumados a ver no dia-a-dia, como segue:

Rorschach - É o narrador da estória e sua mola propulsora. É ele que encasqueta que tem algo de errado com a morte do Comediante e parte para investigar. Utiliza um sobretudo marron e uma máscara que cobre todo o rosto, com manchas pretas que mudam de forma (é um tecido especial), exatamente iguais às do teste psiquiátrico que o batiza. Ele é o detetive da estória e o herói mais violento. Sem tentar entrar em muitas comparações, fica claro que ele é uma parte da persona de Batman.

Night Owl II - É o segundo herói a levar esse nome, inspirado por seu predecessor da década de 40. Veste uma roupa que se parece com uma coruja e utiliza vários gadgets tecnológicos. Está aposentado depois que saiu o Keene Act. Ele é a outra parte da persona de Batman.

Comedian - É um herói que fez parte das duas "ligas da justiça" e, agora, trabalha para o governo. Sua morte é o estopim para a estória. Tem uma atitude do tipo "dane-se o mundo" e não tem nenhuma moral, além de ser extremamente violento. Trata-se da antítese do Capitão América (sua roupa até lembra de longe o uniforme do herói da Marvel) e sua vida longa como herói e sua violência e atitude perante a vida lembram Wolverine ou todos os outros heróis e anti-heróis da mesma estirpe. Por trabalhar para o governo, também lembra Nick Fury.

Silk Spectre II - Forçada pela mãe - a primeira Silk Spectre - a também se tornar uma heroína, ela nada mais é do que a personificação de todas as heroínas dos quadrinhos clássicos: gostosona, com olhar de abandonada, um fetiche ambulante que se veste de forma reveladora e com saltos bem altos. O personagem que vem de imediato à mente do cânon normal dos heróis é a Canário Negro.

Ozymandias - Considerado o homem "mais inteligente do mundo", ele construiu um império de empresas e aperfeiçoou seu corpo até os limites do que o ser humano pode alcançar. Por ser bilionário, lembra muito todos os heróis que são assim, como Homem de Ferro e Batman. Por ser um exemplo perfeito de humano no ápice de sua forma física, lembra muito o Capitão América e demais heróis que dependem apenas de suas habilidades para lutar contra o crime, ainda que Ozymandias há muito tenha se aposentado (recolheu-se mesmo antes da lei proibindo os vigilantes mascarados entrar em vigor).

Dr. Manhattan - Único herói com super poderes de verdade. E bota super poderes nisso. Pode manipular os átomos criando ou destruindo qualquer coisa. Tem poderes ilimitados e se aproxima muito de um deus. Seu status também o leva ao caminho de distanciamento da humanidade. É claramente o Superman, um herói poderoso demais, capaz de desbalancear o mundo mas que é utilizado por seu governo para a manutenção do clima de guerra fria (e para ganhar a guerra do Vietnã, algo que ele resolve em uma semana).

- Tá bom, mas e o bafafá com o filme. Tem razão de ser?

Sim, tem.

A HQ, completa, tem mais de 400 páginas, é forrada de citações complexas e de várias linhas de sub-tramas que formam um impressionante emaranhado. Era considerada como totalmente infilmável e inadaptável, tendo rolado de um estúdio para outro durante quase duas décadas. Depois do sucesso de 300, ofereceram a Zack Snyder a chance de adaptar a estória e ele, até então com apenas dois filmes no currículo (além de 300 fez a refilmagem de Dawn of the Dead), aceitou. Um certo pavor correu pelas veias dos fãs e o debate em torno da adaptação esquentou. Para piorar, Alan Moore que já tinha tido várias experiências ruins (para ele) com a máquina de Hollywood (vide From Hell, que é bom, League of Extraordinary Gentlemen, que diverte mas se distancia demais da obra original e V for Vendetta, que é muito bom), afastou-se completamente do projeto, aproveitando todas as oportunidades para malhar a adaptação de sua obra máxima em filme. Como se isso não bastasse, o filme foi objeto de uma batalha judicial épica entre a Fox e a Warner, a primeira querendo impedir a segunda de lançar o filme por considerar que tinha diretitos sobre ele. A briga chegou a gerar uma decisão judicial preliminar em que o juiz reconheceu direitos de distribuição para a Fox. Depois disso, as partes partiram para uma tensa queda de braço, que culminou em um acordo sigiloso mas que certamente deve ter envolvido um bom dinheiro para a Fox.

No entanto, hoje em dia, um filme vive de polêmicas e, assim, quanto mais melhor.

- Mas disseram que o final do filme é diferente dos quadrinhos. Verdade?

Verdade verdadeira. Watchmen - os quadrinhos - tem um final que é de difícil transposição para as telas sem afastar completamente o público não fã. Se fosse filmado, as chances de sucesso do filme seriam mínimas. No entanto, Zack Snyder alterou o vetor mas não o resultado, que continua exatamente igual ao espírito da estória original. Falarei mais sobre isso mais para frente.

Agora que todos estão nivelados em termos de conhecimento básico sobre a obra, comentarei, no próximo post, sobre o filme propriamente dito, mas sem spoilers, podem ficar tranquilos.

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