sábado, 9 de maio de 2009

Crítica de TV: The Wire - 5ª Temporada


Foi com muita relutância que comecei a assistir a 5ª temporada de The Wire. E por duas razões. A primeira era que simplesmente não queria que acabasse (afinal, eram só mais 10 episódios da melhor série já feita) e, a segunda, era que eu não queria que os produtores eventualmente estragassem uma experiência que, até o final da 4ª temporada, foi perfeita.

Mas, claro, segui em frente.

Sobre as razões para minha relutância, não posso fazer e falar nada sobre a primeira, só lamentar e, sobre a segunda, posso dizer que The Wire continuou e acabou fortemente. Talvez não de forma tão espetacular, mas muito satisfatória. Explicarei o porquê da minha razoável insatisfação (que, de forma alguma significa que a 5ª temporada é ruim, apenas mais fraca que as demais) mas antes precisarei contar um pouco da estória.

Nessa temporada, McNulty, que andou sumido da última, volta com força total. Um ano se passou desde ao acontecimentos da 4ª temporada e o novo prefeito, como todo político, prometeu, prometeu mas não cumpriu suas promessas. Uma dessas promessas foi o aparelhamento da polícia. Ao contrário, agora os policiais mal tem viaturas e não recebem por horas extras que são essenciais para o bom cumprimento do dever, especialmente quando vigilância constante é necessária. O sucateamento total da polícia se mistura a um novo ingrediente, que é introduzido nessa temporada: o poder da imprensa e suas maquinações internas. Vemos de perto como funciona a redação do The Baltimore Sun e conhecemos novos personagens: um editor muito sério e um repórter salafrário que faz de tudo para subir de vida.

Nesse cenário, surge a força motriz da série que é, ao mesmo tempo, o fundamento de minha reclamação sobre a última temporada. Jimmy McNulty, desesperado por perceber que investigações relevantes, como a relacionada ao novo chefão das drogas Marlo Stanfield (Jamie Hector) estão sendo paralizadas por falta de verbas, cria uma mentira enorme para fazer a máquina da prefeitura cuspir dinheiro novamente. Não vou contar o que é, pois isso estragaria um dos prazeres de ver a série mas vale dizer que a mentira de McNulty é o epicentro da estória. 

Acontece que as outras temporadas não se valeram de artifícios de grande repercussão como esse. Talvez seja um exagero meu mas essa "criação" de McNulty (que poderia até ser interpretada como nada mais do que o desenrolar comum do personagem em vista do que ele faz nas temporadas anteriores) soa artificial, estranha, meio alienígena na série. 

Por outro lado, essa mesma "criação" nos brinda com os momentos mais eletrizantes da série inteira (os três últimos episódios). Talvez seja essa a compensação que equilibraria a estória.

Tirando esse pequeno probleminha (para mim, claro), a série é perfeita. Os fins de personagens-chave, como o traficante Marlo Stanfield, o coronel Cedric Daniels (Lance Reddick), o advogado de bandido Levy (Michael Kostroff) e dos próprios Jimmy McNulty e detetive Lester Freamon (Clarke Peters), assim como o do detetive Bunk (Wendell Pierce) e do traficante Bodie (J.D. Williams), são perfeitos. Ah, e como eu poderia esquecer de citar o que talvez seja o personagem mais memorável da série depois do traficante Stringer Bell (Idris Elba), o assassino homossexual Omar Little? Omar tem um fim absolutamente surpreendente e de deixar qualquer um de queixo caído.

As qualidades da 5ª temporada ultrapassam em muito seus defeitos mas a colocam um tantinho abaixo da temporada que levou nota mais baixa, a primeira.

No entanto, uma coisa é certa: The Wire é, sem sombra de dúvidas, a melhor série televisiva que já assisti em minha vida.

Nota: 9 de 10

Crítica de quadrinhos: Fables (Fábulas)

Fables, para quem não sabe, talvez seja a melhor estória em quadrinhos em continuidade (ou seja, que não é uma minisérie tipo Watchmen ou The Dark Knight Returns) já feita. Seu primeiro número saiu em 2002 e, hoje, ela está no número 83 e crescendo. 

Li, há pouco, duas compilações de Fables, os volumes 10 e 11, contendo do número 60 ao 75. Li todos os volumes anteriores, claro, e a estória continua sensacional.

Fables foi criada por Bill Willingham e conta a estória dos personagens de contos de fada que tiveram que fugir de suas respectivas terras por causa do avanço do terrível e misterioso Império, regido pelo Adversário. Quem é o Adversário? Bom, isso eu não posso contar mas adianto que é um personagem de fábula muito famoso e querido e alguém que vocês jamais desconfiariam. Não vou contar pois o segredo só é revelado bem para a frente e isso estragaria o prazer da leitura.

Pois bem, os personagens de Fábulas sobreviventes fugiram para Nova Iorque, claro (onde mais?) e lá se estabeleceram há séculos, vivendo muito bem. Há, também, uma fazenda no interior do estado onde vivem os personagens que são animais e que não conseguem reverter para a forma humana (os ursos da estória da Cachinhos de Ouro, por exemplo). O primeiro número começa com o assassinato de Rose Red, a irmã de Branca de Neve e a estória conta a investigação que se segue. Os volumes 10 e 11, por sua vez, já tratam das terríveis batalhas dos exércitos do Adverário contra os Fables de Fabletown (nome da rua em New York onde eles moram).

Os personagens principais são:

- Branca de Neve - Uma sub-prefeita fria e mandona;

- Rose Red - Irmã rebelde de Branca de Neve (Irmã, como assim irmã?, vocês perguntarão. Pois bem, os irmãos Grimm criaram duas estórias com o mesmo personagem, sendo que, numa delas, Rose Red era a irmã mesmo de Branca de Neve, numa estória sem os anões);

- Bigby Wolf - Sim, o lobo mau, agora transformado em humano mas podendo reverter à forma animal na hora que quiser. É uma espécie de Wolverine;

- Jack of Fables - Um malandro que encarna todos os personagens com nome de "João", tais como João e o Pé de Feijão e Jack (João) Frost;

- Cinderella - Uma pacata dona de loja de sapatos que, na verdade, é uma super espiã e assassina treinada por Bigby;

- Príncipe Encantado - Um príncipe extremamente mulherengo que já foi casado com Branca de Neve, Cinderella e Aurora (a Bela Adormecida).

A lista de personagens, na verdade, é interminável pois tem a Bela, a Fera, a bruxa que capturou João e Maria (Frau Totenkinder - o nome em alemão é ótimo: Senhora Mata Crianças), Ali Babá, Simbad, Mowgli, Hensel (João) e Gretel (Maria), Chapeuzinho Vermelho, o sapo que virou príncipe quando foi beijado, os Três Porquinhos, Baghera, Shere Khan e por aí vai.

A interação entre eles é sensacional e as estórias são brilhantes. O grande arco, que acaba no volume 11 trata da batalha entre os personagens de fábula bons e os maus, sendo que todos os bons são ao mesmo tempo maus e vice-versa. Não tem preto e branco nessa estória. Só tons de cinza. Ah, esqueci de dizer: cabeças e sexo rolam, o que torna as estórias impróprias para os pequenos.

Dentro desse arco, conhecemos várias estórias de origem e de fuga do Império (a de Chapeuzinho Vermelho é especialmente boa). Nada é sem propósito e tudo chega a um final bem satisfatório. Mas Willingham já disse que a batalha final (essa que li agora) não é o fim de tudo. 

Bom, isso me deixa muito curioso para ver o que vem agora pois o equilíbrio de forças antes existente acabou e a mecânica de toda a estória deve mudar. Melhorar vai ser difícil mas posso torcer para que a qualidade ao menos se mantenha o que, pela nota abaixo, vocês vão ver que é mais do que o suficiente.

Nota: 10 de 10

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Crítica de filme: In Bruges (Na Mira do Chefe)

Não se deixem enganar pelo título em português. In Bruges (Na Mira do Chefe) é uma comédia de humor negro, não uma comediazinha rasgada que o título dá a entender. Vale muito a pena assistir essa pequena pérola do humor britânico estrelando Colin Farrell , Brendan Gleeson e Ralph Fiennes.

Farrell (no seu melhor papel) e Gleeson (sempre ótimo) são Ray e Ken, uma dupla de assassinos de aluguel, a serviço de Harry Waters (Ralph Fiennes). Depois de um trabalho que acaba mal na Inglaterra, Ray e Ken têm que correr para Bruges, na Bélgica, para se esconder, por instruções de Harry. Lá, Ken, assassino mais experiente, passa a viver uma vida de turista, apreciando os museus e atrações locais. Isso para o desespero de Ray, claro, um assassino novato que fez besteira em seu primeiro "serviço". Para Ray, Bruges é um "shit hole" e ele fica mal humorado o tempo todo quando é forçado por Ken a visitar os pontos turísticos.

Só esse choque de personalidades e de atitudes já vale o filme. No entanto, o roteirista e diretor Martin McDonagh (um dramaturgo conhecido) faz com que Ray e Ken entrem em sérios conflitos, o que culmina com um vingativo Harry vindo à Bruges para uma prestação de contas.

Apesar dos vários deliciosos momentos de humor negro, a começar pela cara de emburrado de Ray diante da cidade de Bruges, continuando com seu encontro com uma garota com uma atividade suspeita que encontra num set de filmagens de um filme cabeça, culminando com Ray e Ken em um quarto com duas prostitutas holandesas e mais um anão americano, todos cheirando cocaína, até o final quase em estilo faroeste, In Bruges é um filme violento, em que cabeças são arrancadas e o sangue transborda. Mas tudo com muita fleuma britância.

A química entre Collins e Gleeson é perfeita e a entrada de Fiennes, já em momento adiantado do filme, só melhora a situação.  A cidade também é um personagem importante, fortemente presente em todas as situações.

Finalmente, os diálogos são um caso à parte de tanta perfeição. Vejam um exemplo, no momento em que Ken quer subir numa torre medieval para ver a cidade: 

Ken: Coming up? 
Ray: What's up there? 
Ken: The view. 
Ray: The view of what? The view of down here? I can see that down here. 
Ken: Ray, you are about the worst tourist in the whole world. 
Ray: Ken, I grew up in Dublin. I love Dublin. If I grew up on a farm, and was retarded, Bruges might impress me but I didn't, so it doesn't. 


Sensacional, não?

Nota: 8,5 de 10

terça-feira, 5 de maio de 2009

Crítica de quadrinhos: Captain America de Ed Brubaker

Em quadrinhos mainstream ninguém morre de verdade. Muitos personagens apenas morrem temporariamente para resurgirem iguaizinhos (vide a Fênix dos X-Men) ou de formas variadas (vide o próprio Superman, em uma série que não li e não quero ler, mas sei que ele apanhou de um alienígena, "morreu" e ressuscitou de três formas diferentes, seja lá o que isso signifique). 

Havia, porém, três fortes exceções, duas com o Homem-Aranha e uma com o Capitão América. No caso do Homem-Aranha, as exceções são (ou eram) Gwen Stacy, seu primeiro grande amor e o Tio Ben. Gwen Stacy, no entanto, reapareceu como um clone e, ainda que um clone não seja exatamente a mesma pessoa, já não conto mais ela como uma verdadeira mortal. 

O outro caso é o do tio Ben, aquele que Peter Parker, ainda deslumbrado pelos poderes de aranha mas sem qualquer responsabilidade, acaba deixando morrer nas mãos de um bandido que ele não captura por achar que isso não é com ele. O tio Ben continua bem morto, obrigado, mas isso não quer dizer que ele não possa reaparecer por aí, em alguma estória idiota.

O terceiro caso era com o Capitão América. Durante a 2ª Grande Guerra, Steve Rogers tinha um pupilo chamado James Buchanan Barnes, ou simplesmente "Bucky", que vestia uma máscara e uma roupa azul e vermelha. O garoto não tinha poderes e acaba morrendo no mesmo incidente que deixa o Capitão congelado num bloco de gelo durante décadas, até ser reanimado pelos Vingadores.

Entra Ed Brubaker.

Esse cara pegou a estória do Capitão em uma situação bastante ruim, com vendas baixas e reputação lá no buraco. Ele resolve, então, fazer o que todo roteirista barato faz para dar uma sacolejada na vida de um super-herói de quadrinhos: revive um personagem (ok, os demais roteiristas escolheriam matar um dos personagens, que depois reapareceria, mas tudo bem, dá no mesmo).

Assim, Ed Brubaker reviveu Bucky, em uma série de 25 edições de Capitão América, começando na edição número 1, em 2007. A série continua até hoje, com Brubaker no leme, mas essa crítica só trata das primeiras 25 edições (que li numa coletânea gigantesca que era dificil até de segurar na mão).

Bucky morreu em uma explosão em 1944. No entanto, se o Capitão América foi congelado quando caiu no mar gelado naquela mesma explosão, por que Bucky também não poderia ter sobrevivido? Ed Brubaker parte desse raciocínio, que não é nada original. 

Mas é só. A falta de originalidade ficou por aí. O que o cara conseguiu fazer a partir dessa premissa que, em casos normais, é idiota, tem que ser considerado como trabalho de gênio.

Já li muita estórias em quadrinhos, acompanhava os heróis comuns como Homem-Aranha e o próprio Capitão América. Aí eu cresci ou as estórias passaram a ficar complicadas demais para minha cabeça (acho que é o segundo caso...). Larguei de vez os super-heróis comuns mas lia e ainda leio estórias mais contidas, independentes (American Born Chinese por exemplo) e outras nem tão independentes mas, mesmo assim, fora de continuidades malucas décadas (Y: The Last Man, criticada aqui e Fables que será comentada em breve). De super-heróis mesmo, só quando a Marvel passou a publicar a linha Ultimate, mais séria e desligada da continuidade normal. Nunca gostei de DC, a não ser os clássicos sensacionais de Alan Moore, Frank Miller, Bolland e alguns poucos outros.

Nesse contexto, admirei ainda mais o trabalho de Ed Brubaker. Ele pegou uma cronologia complicadíssima do Capitão América e, sem desconsiderá-la, fez um trabalho que um novato poderia pegar e ler. E não parou só por aí. 

Tudo começa com um plano do arqui-inimigo do Capitão América, o Caveira Vermelha, de reconstruir o Cubo Cósmico (praticamente usado por Brubaker como um McGuffin). Entra um personagem novo, o russo General Lukin com um plano que envolve o assassinato do Caveira. Quem o mata? Bucky! Ele, na verdade, não morreu e vinha atuando como agente russo desde que foi achado semi-congelado e desmemoriado no Mar do Norte. Mas o bacana é que Brubaker trouxe relevância à ressurreição do personagem, inserindo-o retroativamente na cronologia Marvel de forma brilhante, irretocável. Ele até mesmo justifica a existência de Bucky como "ajudante" do Capitão América durrante a Segunda Guerra: ele fazia o trabalho sujo que o Capitão, como símbolo da nação americana, não podia ser visto fazendo. Só esse "lado negro" já seria suficiente para justificar a leitura de Ed Brubaker.

Mas as coisas não páram por aí. Sem revelar muito, Brubaker não cai na armadilha fácil de colocar Bucky e o Capitão América conversando e fazendo as pazes e tudo fica normal. O Capitão está desolado pelo passado terrível de Bucky, agora chamado Winter Soldier (Soldado Invernal), em suas missões de espionagem e assassinato por décadas. Bucky está desolado por ter feito o que fez. Os dois não se aproximam, não se reconciliam. 

E quando as coisas parecem melhorar um pouco, Brubaker, em uma cartada de mestre, assassina o Capitão América. Nada heróico. Ele está algemado, indo para o Tribunal, quando toma um tiro de um sniper, ou será que mais alguém está envolvido? A revista, hoje, está na edição 50 e o Capitão América ainda não foi ressuscitado. Imaginem 2 anos sem um dos maiores heróis dos quadrinhos? Brubaker tem essa coragem. Claro que, pelo que andei vendo, em algum momento entre o número 25 e o 50, Bucky se torna o Capitão mas Steve Rogers, até agora, não voltou.

Tenho poucas dúvidas que voltará. No entanto, também tenho poucas dúvidas que Brubaker tornará relevante essa volta, tudo dentro de um plano mestre que, tenho para mim, ele tinha na cabeça desde que começou a escrever sua primeira edição.

Quadrinhos com essa qualidade - de heróis mainstream então! - são raríssimos e merecem ser saboreados.

Nota: 9 de 10

domingo, 3 de maio de 2009

Crítica de filme: The Spirit

Alguém, por favor, casse a licença de direção cinematográfica de Frank Miller e coloque-o novamente onde ele nunca deveria ter saído: da frente de uma prancheta de desenhos, fazendo o que ele sabe fazer, ou seja, quadrinhos (todos excelentes, com exceção, claro, de The Dark Knight Strikes Again).

O cara se entusiasmou quando "co-dirigiu" (e as aspas aqui devem ser interpretadas literalmente pois ele não co-dirigiu porcaria nenhuma) Sin City com Robert Rodriguez e resolveu partir para carreira solo. No entanto, não consigo entender como algum figurão de Hollywood, depois de ler o roteiro para uma pérola como The Spirit, fecha o livro e diz: "Ok, vamos financiar pois será um grande filme e ganharemos dinheiro!". Um imbecil como esse, que autoriza The Spirit, é tão culpado quanto Frank Miller, que escreveu o roteiro e dirigiu o filme.

Sobre o filme em si, para quem mora numa caverna, ele é baseado nos clássicos quadrinhos do mestre Will Eisner de mesmo nome, sobre um policial que morreu e reviveu como The Spirit, protetor de Central City. O herói de Eisner, porém, não tem muito mais a ver com o de Frank Miller, que conseguiu, além de tudo, deturpar completamente a criação de Eisner, que deve estar se contorcendo no túmulo.

O filme tem o lindo visual de Sin City (Frank Miller basicamente copiou o que viu quando ficou que nem papagaio de pirata durante a direção de Rodriguez) com o ridículo roteiro de um daqueles episódios de Batman, com Adam West. Só faltaram as onomatopéias "PAM!", "SOCK!", "WHAM!". Seria engraçado se o filme não se levasse à sério. Seria passável se Frank Miller não estivesse REALMENTE tentando fazer um filme com substância. 

Os diálogos são patéticos, piores até que em Star Wars: Episode I; as atuações ou são tão expressivas quanto as estátuas Moai da Ilha de Páscoa ou tão cartunescas quanto as do Coringa de Cesar Romero na série de Batman dos anos 60. O roteiro é inexistente e completamente sem sentido e absolutamente infantil, apesar das muitas mortes e cenas embaraçosamente grotescas. Nem as belíssimas mulheres presentes no filme (Scarlett Johansson, Eva Mendes, Jaime King e Sarah Paulson) nem o vilão Octopus, vivido por Samuel L. Jackson, servem para amenizar o horror que é esse filme.  

O filme, na verdade, é uma grande sacanagem com a criação de Will Eisner e uma brincadeira de mau gosto com a indústria cinematográfica como um todo. Depois reclamam que cada vez menos pessoas vão ao cinema ou alugam DVDs... O único consolo que existe é que, para cada lixo como The Spirit, temos algo excelente como The Dark Knight ou Iron Man, isso só para ficar nas adaptações de quadrinhos.

Nota: 0 de 10 (tão ruim quanto Battlefield Earth, o pior filme da história para mim até hoje)

Crítica de TV: The Wire - 4ª Temporada


Como já tive a oportunidade de comentar aqui e aqui, The Wire é a melhor série de TV que já vi, junto, talvez, com Battestar Galactica. Acabei há pouco a quarta e penúltima temporada e posso dizer que, mais uma vez, os produtores acertaram na mosca.

O mais impressionante é que, apesar do ditado "em time que está ganhando não se mexe", os produtores partiram para sacudir a série. São 13 episódios com íntima relação com o que aconteceu nas três primeiras temporadas mas que quase podem ser vistos independentemente. 

Uma das grandes modificações: Jimmy McNulty (Dominic West), o personagem central nas outras temporadas, quase não aparece na quarta. Só dá as caras aqui e ali, apenas para lembrarmos que ele existe. No entanto, ele não interfere em nada na estória.

Escolha sábia.

Sem estragar nenhuma estória, vale lembrar que McNulty basicamente era a mola propulsora dos outros casos e repetir a situação novamente não combina com essa série, que lida com a realidade nua e crua. Assim, os produtores arriscaram e retiraram McNulty de cena. 

Mas não pararam só por aí.

Com os "vilões" das primeiras temporadas fora do baralho, os responsáveis pela série resolveram nos brindar com um novo curso, ou seja, o trabalho policial - que é simplesmente o coração da série - foi meio que deixado de lado para todas as atenções se centrarem na disputa à prefeitura da cidade de Baltimore e no sistema de escolas públicas da cidade. Assim, vêm para os holofotes um personagem bacana mas secundário (senão terciário) das outras temporadas, Prez (Jim True-Frost), como professor e o vereador da cidade e candidato a prefeito, Tommy Carcetti (Aidan Gillan), introduzido na temporada anterior.

Muita atenção também é dada a Bunk Moreland (Wendell Pierce) o policial da divisão de homicídios, amigo de McNulty e a Bubbles (Andre Royo), drogado e informante da polícia. O mesmo acontece com os jovens negros da cidade, que anda literalmente na corda bamba, com grande possibilidade de sucumbirem ao crime, tendo em vista que, em casa, pouco apoio têm dos pais e, nas escolas, não passam de estatísticas. Mas todas as demais peças foram trocadas de lugar e o que se vê ao longo de 13 episódios é, na verdade, uma grande preparação para o que está para acontecer na quinta e última temporada. Nesse ponto, é impressionante a coragem dos produtores em usarem uma temporada inteira para preparar o terreno para a temporada seguinte. 

No entanto, isso na verdade não surpreende completamente pois a segunda temporada foi, também, preparação para a terceira. Os produtores sabiam da qualidade do material que tinham na mão e deviam ter certeza de seu público alvo pois trabalharam com calma, tornando-nos quase que cúmplices de todas as manobras políticas dos candidatos a prefeito, toda a podridão do sistema escolar e as consequências disso para as vidas dos personagens de sua série.

É raro ver uma série de televisão com essa qualidade, com esse grau de imersão nos assuntos que discute. O que vemos hoje são séries que lidam com um caso por capítulo, algumas com casos resolvidos em arcos mais longos, mas quase nunca vemos os produtores gastarem uma temporada toda em um caso só (Dexter me vêm à mente no momento como exemplo disso, como vocês pode ver aqui). No entanto, The Wire é uma estória só, dividida em 5 temporadas. O que começou na primeira só vai acabar mesmo (assim espero!) na quinta temporada. E isso sem desperdiçar um só episódio: tudo é relevante.

É uma pena que só falte mais uma temporada mas, tudo que é bom, com dizem, chega ao fim, não?

Nota: 10 de 10

sábado, 2 de maio de 2009

Crítica de TV: South Park - 6ª Temporada

Kenny está morto. De verdade.

Mas South Park continua sensacional. Não perderam a qualidade. 

Os três amigos restantes, Kyle, Stan e o impagável Cartman, arrumaram um substituto para Kenny, o inseguro Butters. Eles não estão muito satisfeitos com esse novo amigo, apesar de abusarem dele ao extremo. Esse é mais ou menos o mote dessa temporada, com seus 17 episódios.

Os pontos altos são os seguintes episódios:

- Jared has Aides: O garoto propaganda da Subway chega em South Park e revela que tem Aides, ou seja, que conseguiu emagrecer não só graças aos sanduíches submarino da Subway mas, também, a dois ajudantes ("aides"). A cidade inteira, claro, acha que ele tem Aids. Cabem aos garotos esclarecer a confusão. Brincar com Aids é, talvez, o ponto alto do humor negro mas Trey Parker e Matt Stone se dão muito bem.

-  Freak Strike: Os garotos percebem que os "freaks" que vão a programas sensacionalistas de televisão ganham brindes "muito bacanas" e resolvem disfarçar Butters como um dos "freaks". Seu "problema" congênito? Um escroto cresce de seu queixo. A maquiagem fica a cargo de dois fanáticos por Star Trek. Uma jóia!

- The Simpsons Already Did It: Butters, agora transformado em Professor Chaos por ter sido expulso do grupo de amigos, tenta bolar planos maquiavélicos de destruição do mundo mas, para seu desespero, ele descobre que, no desenho dos Simpsons, todos esses planos já foram levados a cabo.

- Red Hot Catholic Love: Duas estórias sem conexão (para variar). O padre de South Park descobre, para seu horror, que todos os seus pares praticam pedofilia, levando o assunto até o Vaticano que fica desesperado com o cerco aos padres que "amam tanto as crianças". Na outra estória, Cartman descobre que é possível "evacuar" pela boca... Sem comentários...

- A Ladder to Heaven: Pela razão mais egoísta do mundo, os garotos resolvem contruir uma escada até o Céu para se encontrarem com Kenny. O episódio é hilário. Cartman chega ao cúmulo de beber as cinzas de Kenny misturadas ao leite, como se fosse um achocolatado!

- The Return of the Fellowship of the Ring to the Two Towers: Em uma brincadeira de Senhor dos Anéis, os garotos têm a missão de entregar uma fita de vídeo de Fellowship of the Ring para Butters mas mal eles sabem que, na verdade, a caixa contém um filme pornô pesadíssimo, deixado lá por engano pelos pais de Stan. O impacto da pornografia em dois meninos é de chorar de rir...

- The Death Camp of Tolerance: Mr. Garrison, o professor gay, descobre que ser demitido por discriminação pode significar milhões de dólares em indenização. Assim, ele resolve dar aulas junto com Mr. Slave, um cara tipo "Village People" no qual Mr. Garrison introduz, pelas via anal, um pequeno camundongo. A estória, então, se divide entre o horror dos pais achando que seus filhos são preconceituosos e a saga do camundongo para sair de onde está. Doentio mas MUITO engraçado.

South Park é, talvez, a mais ácida crítica a tudo de atual que existe. Falam de diretores que querem mudar seus filmes clássicos até homossexualidade e religião. Parker e Stone não deixam pedra sobre pedra.  Eles estão, hoje, na 13ª temporada mas, vagarosamente, eu chego lá.

Nota: 8 de 10

Club du Film - Ano IV - Semana 15: Le Charme Discret de la Bourgeoisie (O Discreto Charme da Burguesia)


Há pouco mais de três anos, no dia 28 de dezembro de 2005, eu e alguns amigos decidimos assistir, semanalmente, grandes clássicos do cinema mundial. Esse encontro ficou jocosamente conhecido como Club du Film. Como guia, buscamos o livro The Great Movies do famoso crítico de cinema norte-americano Roger Ebert, editado em 2003. Começamos com Raging Bull e acabamos de assistir a todos os filmes listados no livro (uns 117 no total) no dia 18.12.2008. Em 29.12.2008, iniciamos a lista contida no livro The Great Movies II do mesmo autor, editado em 2006. São, novamente, mais 100 filmes. Dessa vez, porém, tentarei fazer um post para cada filme que assistirmos, com meus comentários e notas de cada membro do grupo (com pseudônimos, claro).

Filme: Le Charme Discret de la Bourgeoisie (O Discreto Charme da Burguesia)

Diretor: Luis Buñuel

Ano de lançamento: 1972

Data em que assistimos: 28.04.2009

Crítica: Na 15ª semana do Ano IV do Club du Film assistimos ao meu 12º filme por esse grande diretor. Não é nenhum segredo minha fixação por Buñuel. Adoro todos os seus filmes que oscilam entre obras primas irretocáveis e obras muito boas. O cara era um gênio.

Discreto Charme é seu antepenúltimo filme e quando eu achava que há havia visto os melhores dele (O Anjo Exterminador e A Bela da Tarde), eis que surge algo que consegue ultrapassar todas as minhas expectativas. Já imaginava que Discreto Charme seria sensacional mas não o melhor filme de Buñuel que vi até hoje.

O filme conta a surreal estória de 6 pessoas da classe média alta na França que tentam, tentam mas não conseguem fazer uma refeição juntos. Não tem mais estória que isso mas é brilhante mesmo assim. 

Buñuel, em 1972, já havia há muito deixado sua fase puramente surrealista mas ele nunca realmente abandonou suas raízes. Em O Anjo Exterminador, Buñuel conta a estória de aristocratas que não conseguem sair de uma festa/jantar por razões misteriosas. 

Em Discreto Charme, várias coincidências impedem que a refeição ocorra, começando com 4 das seis pessoas visitando o casal restante pois haviam sido convidados para o jantar. Ao chegarem lá, deparam-se com a mulher do casal totalmente despreparada e dizendo que o jantar era, na verdade, no dia seguinte. Assim, eles acabam saindo para jantar e chegam a um restaurante que estranhamente está com todas as mesas vazias. Depois de sentarem e discutirem um pouco sobre o que pedirão, eles começam a ouvir choros vindos de uma sala anexa. Ao investigarem, descobrem um morto que está sendo velado ali mesmo. Apesar da garantia dos garçons que o jantar será servido normalmente, eles obviamente deixam o local. 

Situações como a acima se repetem por várias vezes com Buñuel aumentando o surrealismo um pouquinho a cada vez. Roger Ebert, o crítico de cinema americano, tenta explicar o filme, afirmando que a refeição é o ritual da burguesia criado para substituir a conversa pois os burgueses não teriam nada para conversar. Ok, é uma explicação interessante. No entanto, o próprio Buñuel, em sua autobiografia Meu Último Suspiro, que comentei aqui, afirma que suas obras não são para serem explicadas mas sim aceitas como são. 

Com todo o respeito a Ebert, fico com Buñuel pois ele é o pai da criança. Ainda que se possa extrair um forte comentário social de Discreto Charme, interpretação que não está errada de forma alguma, o fato é que o filme me parece ser uma sucessão de sonhos e delírios do diretor (que também escreveu a obra, junto com Jean-Claude Carrièrre). Isso chega a ficar muito claro nos momentos finais da obra. O filme, aliás, foi indicado ao Oscar de 1973 por melhor roteiro original e melhor filme estrangeiro. Acabou papando a estatueta de melhor filme, premiação mais do que merecida. 

Breves comentários devem ser feitos sobre a escolha de atrizes por Buñuel. O cara era campeão. O elenco feminino de Discreto Charme é um espetáculo a parte. Stéphane Audran é um show por si só mas as demais não ficam muito atrás. É, talvez, o filme mais sensual do mestre depois de A Bela da Tarde, com a magistral Catherine Deneuve.

Notas:

Minha: 10 de 10
Klaatu: 10 de 10
Barada: 9 de 10
Nikto: 8 de 10

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Crítica de filme: Body of Lies (Rede de Mentiras)

Ridley Scott é, sem dúvida, um grande diretor. Seu último filme, Body of Lies (Rede de Mentiras), de 2008, é mais uma prova disso. 

Quem viu Syriana, com George Clooney e gostou, vai se identificar com Body of Lies. Ainda que Syriana tenha um grau de complexidade muito maior, o substrato por trás é muito parecido com Body of Lies: a rede obscura da espionagem mundial, suas técnicas e seus efeitos nos países. Body of Lies é uma versão mais fácil de digerir, mais simples de Syriana. Uma espécie de mistura desse filme com a trilogia de Jason Bourne. 

O filme conta a estória do espião de campo Roger Ferris (Leonardo DiCaprio), estabelecido no Iraque e seu chefe, o espião de escrivaninha Ed Hoffman (Russel Crowe). Os dois estão em contato constante mas um nos Estados Unidos, vivendo uma vida normal, cuidando de filhos e beijando a esposa e outro a milhares de quilômetros de distância, no meio do furacão que é o Iraque pós-guerra. Os dois atores só chegam a efetivamente contracenar depois de 40 minutos de filme mas a química entre eles é impressionante. Crowe e DiCaprio são grandes atores.

Enquanto Hoffman toma decisões que, normalmente, estão longe de serem as melhores, Ferris sofre as consequências na pele, inclusive enfurecendo o chefe do serviço de inteligência da Jordânia, Hani Salaam (o também ótimo Mark Strong), ao ponto de ser expulso do país. Ferris, então, passa a armar uma corajosa estratégia para conseguir atrair um dos chefes do talibã para fora de sua toca. O plano é genial: criar um célula terrorista fictícia, movimentada por computadores e por fotos estrategicamente tiradas para forçar um contato pelo seu alvo. É claro que o plano significa arriscar a vida de cidadãos do mundo que nada tem a ver com terrorismo e que nem mesmo são informados que estão sendo usados. Discute-se a moral de se aplicar tais técnicas e Ferris sofre com isso, apesar de ser o criador do plano. São os fins justificando os meios.

O filme tenta ser também um filme de ação e as cenas com DiCaprio em campo são bem eficientes, ainda que, talvez, soem forçadas, apenas para suavizar o tom técnico do filme (voltando para Syriana, lá, Stephen Gaghan, o diretor, teve a coragem de manter o filme em curso, focando pesadamente na trama geopolítica e de espionagem).

Não é o melhor filme de Scott mas isso não quer dizer nem de longe que seja um filme fraco.

Nota: 7,5 de 10