domingo, 20 de dezembro de 2009

Crítica de filme: Avatar


Depois de assistir Avatar em 3D fiquei  pensando no que eu poderia escrever que já não tivesse sido escrito aos borbotões por milhares de pessoas - críticos ou meros curiosos como eu - sobre o filme. Depois de muito pensar resolvi começar pelas duas coisas que se fixaram em minha mente na  medida em que os créditos do filme iam rolando na tela: Robert Zemeckis e Dança Com Lobos.

E vocês vão me perguntar o porquê, tenho certeza.

Vou começar por Robert Zemeckis. Eu o considero um excelente diretor, que nos brindou com obras como Uma Cilada Para Roger Rabbit, a trilogia De Volta para o Futuro, Forrest Gump e Contact. A questão é que, de 2004 para cá, Zemeckis resolveu se meter com a tecnologia conhecida inicialmente como "captura de movimento" mas que hoje se desenvolveu para "captura de performance". Essa tecnologia, usada de forma magistral na trilogia O Senhor dos Anéis diz respeito ao uso de sensores especiais colocados em atores para que o computador possa, depois, gerar um personagem 100% digital. Em O Senhor dos Anéis, Andy Serkis foi o ator que deu vida ao personagem Gollum. Em King Kong, o mesmo ator deu vida ao personagem título.

Acontece que Zemeckis é um diretor apenas, alguém que aparentemente não se enfronha na tecnologia como Peter Jackson ou James Cameron fazem. Tenho para mim que ele apenas recebe um produto pronto e faz seus filmes como o que está disponível. É por isso também que o nome de Robert Zemeckis se fixou em minha mente depois de ver Avatar: ele deve estar se contorcendo de raiva por não conseguir, depois de três tentativas seguidas, chegar aos pés do que Peter Jackson já havia conseguido antes dele e que James Cameron conseguiu elevado à décima potência com Avatar.

O Expresso Polar, Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge não lambem as botas do que Cameron fez com seu mundo virtual em Avatar. Beowulf, por ser um filme de fantasia mas calcado em fotorealidade, talvez seja o exemplo mais gritante. O que Zemeckis conseguiu foi criar um monte de "corpos sem alma" que se movimentam pela tela. O que Cameron fez foi efetivamente criar um mundo que você acredita que existe e personagens completamente digitais com quem você efetivamente se sente confortável, como se humanos fossem. Os Na'vi de Cameron são seres que respiram como nós e atuam como os melhores atores. Sam Worthington (Jake Sully) e Zoe Saldana (Neytiri) atuam na pele de seres azuis de três metros de altura e feições felinas como qualquer outro ator atuaria normalmente. Cameron conseguiu, em um filme o que Zemeckis não conseguiu nem de longe e com muita boa vontade com três filmes (ok, James Cameron teve mais dinheiro que Zemeckis mas convenhamos que, somadas as três tentativas de Zemeckis, os dois ficam pau-a-pau em termos de orçamento).

E, repetindo, creio que a maior razão para isso ter acontecido é que James Cameron é um diretor mas também é um técnico, alguém efetivamente envolvido na tecnologia utilizada em seus filmes.

Mas vamos ao meu segundo pensamento após o fim de Avatar: Dança Com Lobos (Dances With Wolves). Esse filme, de 1990, estrelado e dirigido por Kevin Costner, e que arrebatou todos os Oscar da época, é um de meus westerns preferidos. Conta a estória de um soldado da guerra civil americana que é enviado para um posto no fim de mundo do oeste. Lá ele, relutantemente, se envolve com os indígenas, se apaixonando por uma bela nativa já prometida em casamento para o grande guerreiro da tribo. Ao longo do tempo, ele vai  se deixando envolver pela beleza da cultura da tribo e da nativa, chegando ao ponto de se voltar contra seus pares da "civilização" em defesa do grupo que o aceitou como um dos seus. Esse filme moderniza a estória de Pocahontas e John Smith, tão importante para os estadunidenses e é, basicamente, uma "estória padrão", repetida milhares de vezes em diferentes filmes.

O que James Cameron fez foi pegar Dança Com Lobos ou Pocahontas e lançá-los ao espaço. Jake Sully, ex-marine, depois do falecimento de seu irmão gêmeo cientista, lotado no planeta Pandora (nome nada sutil, aliás), o substitui no projeto Avatar. Esse projeto pode ser resumido na  transferência da mente humana para um clone de humano com Na'vi (daí a importância de se usar o mesmo DNA) para que seja possível que os humanos se infiltrem na cultura indígena do planeta e consigam negociar um acordo (o ar de Pandora é tóxico para os humanos). O que querem os humanos? Ora, um minério chamado Unobtainium (outro nome nada sutil mas que funciona) que existe em vastas quantidades exatamente onde a tribo local vive. Jake Sully, sendo um ex-marine ("ex" pois ficou paraplégico em sua última missão), consegue se infiltrar na tribo e começa a agir como um agente duplo, até que seus instintos primordiais o colocam ao lado dos nativos e de seu amor Neytiri (Zoe Saldana, a Uhura do novo Star Trek). As coincidências com Dança Com Lobos vão até mesmo no detalhe da caracterização do guerreiro nativo a quem Neytiri é prometida.

Isso é um falha?

Não exatamente mas a simplicidade do roteiro impede Avatar de ser uma obra-prima em todos os aspectos. E nem venham dizer que ficção científica altamente tecnológica é incompatível com estórias complexas. Bastam ver Matrix e, de James Cameron, The Abyss (O Segredo do Abismo) para terem uma idéia do que estou falando.

De toda forma, tenho para mim que a escolha de uma linha narrativa simples, com diálogos bem mundanos (em alguns momentos deu vontade de desligar o som) foi deliberada por parte de James Cameron. Avatar é um show de imagem e som dos mais inacreditáveis já colocados em uma tela de cinema. É algo que não se via há tempos: uma experiência cinematográfica completa. Perder Avatar no cinema é perder um importante capítulo da Sétima Arte.

Cameron não lançava um filme de ficção desde seu mega sucesso Titanic, de 1997. Como todo mundo sabe, Titanic mantém o posto de maior bilheteria mundial (não atualizada pois se for atualizada a bilheteria de E o Vento Levou leva a taça) do cinema. Titanic é, também, superlativo em tudo: custou 200 milhões de dólares, o maior orçamento da época, contou com um réplica quase exata do Titanic que Cameron teve o prazer de destruir ao final, estourou todos os orçamentos, com Cameron abrindo mão de seu salário inicial e por aí vai.

Antes de Titanic, Cameron tinha em seu currículo apenas outros seis filmes de ficção para o cinema: Piranha 2 (seu début e uma porcaria); O Exterminador do Futuro (The Terminator), um dos mais brilhantes filmes de ficção científica de todos os tempos; Aliens, outro filme que concorre ao posto de um dos mais brilhantes de ficção científica de todos os tempos; O  Segredo do Abismo (The Abyss), que eu considero uma obra prima mas que foi muito criticado, trazendo, no entanto, pela primeira vez, o uso da tecnologia digital de forma arrebatadora ao cinema; O Exterminador do Futuro 2, outro concorrente aos melhores da ficção científica de todos os tempos e o filme que introduziu de vez a computação gráfica ao cinema mainstream e True Lies, ótima comédia de ação, com o astro de Terminator. Com esse currículo invejável,  a tensão pela espera de Avatar era grande, especialmente quando o próprio Cameron, nada humilde (e, na posição dele, humildade é incompatível), declarou que seria o filme que mudaria o cinema.

Bom, Avatar não vai necessariamente mudar o cinema mas definitivamente vai mudar a forma como efeitos especiais são feitos e pensados. James Cameron sempre se esmerou em seus efeitos especiais e Avatar é o ponto alto de sua carreira nesse sentido estrito. Não é um filme melhor que os dois Terminator e Aliens mas certamente é um filme espetáculo que ataca sensorialmente o espectador de forma nunca antes vista. Feito para ser apreciado em sua plenitude em 3D, o filme envolve o espectador de maneira absoluta, fazendo-o acreditar estar em Pandora, vivendo com os Na'vi. As cores são vibrantes, o planeta respira, você vê que há coesão até mesmo biológica naquilo que foi criado (por exemplo, todos os animais selvagens têm seis pernas). As plantas são de detalhes impressionantes e os nativos são tão fotorealistas como se Cameron simplesmente tivesse filmado "em locação", com os "nativos verdadeiros".

Assim, se antes dava para criar um filme com efeitos mais ou menos aqui ou ali, depois de Avatar isso não será mais possível. Mas o destaque maior vai mesmo para a tecnologia de "captura de performance", que resolvi apelidar de "Zemeckis-killer". Como dito, os detalhes são impressionantes e nada mais justificará o uso de maquiagens extremas em atores. A "captura de performance" foi efetivamente catapultada à perfeição e não quero mais saber de filmes com essa tecnologia que não se beneficiem do que Cameron criou ao longo de seu hiato de 12 anos longe do cinema de ficção (ele desenvolveu tecnologia própria de "captura de performance" e de filmagens em 3D, consumindo, dizem, para lá de 300 milhões dólares).

Como muitos críticos disseram, se retirarmos os efeitos de Avatar, sobra um estoriazinha muito simples, rasteira e nada original. Ora, se retirarmos as piadas de The Hangover, também não sobra nada da estória. Se retirarmos a aventura de Indiana Jones, também nada resta. Acontece que o deslumbramento por Pandora e tudo que lá vive é parte tão integral de Avatar que críticas como essa não fazem o menor sentido. Cameron escolheu uma vitrine para suas criações e essa vitrine foi definitivamente a de uma loja simples, que não chama mais atenção do que está exposto. A escolha foi cirúrgica e perfeita pois o filme, apesar de seus 160 minutos, não é arrastado e não sofre de cenas desnecessárias. O que Cameron podia ter evitado é a narrativa de Jake Sully pois ela é didática demais para uma estória para lá de óbvia. Ele parece querer tratar os espectadores como totais idiotas.

Alguns também dizem que o filme é exageradamente ambientalista, até "ecochato". Outra besteira. Não há dúvidas que o filme é mesmo ambientalista e que, de certa forma, assim como Dança Com Lobos, é um  pedido de desculpas pelas enormes cavalices ambientais feitas pelos Estados Unidos, mas dizer que isso é um aspecto que retira a qualidade do filme é de uma falta de visão inacreditável. Trata-se de uma mensagem apenas mas o filme pode ser visto como sendo um filme de ação sobre a luta de seres de carne e osso contra a tecnologia, exatamente da mesma forma que Terminator 1 e 2 e Aliens também são.

Para fechar, vocês querem saber o que acho o maior defeito do filme? A campanha de marketing empreendida pela Fox. Nunca vi um filme tão esperado trabalhado de forma tão fraca por um estúdio. Os trailers são fracos, os posters do filme são péssimos e o tal Avatar Day em que 15 minutos do filme foram projetados gratuitamente no cinema foi extremamente mal aproveitado...

Espero que James Cameron não demore muito para lançar seu próximo projeto!

Nota: 9 de 10 (tiro um ponto apenas pelos diálogos fracos, pela trama batida e pela narrativa que subestima o espectador)

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