segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Crítica de filme: Carancho (Festival do Rio 2010 - Parte 15)

O "carancho" é uma ave de rapina da família dos falcões que tem como característica uma espécie de solidéu preto no topo de sua cabeça. No Brasil, é conhecido como carcará e a ave é tipicamente um parasita oportunista que se adapta à qualquer situação. Come de tudo e se aproveita de animais mais fracos, sem chance de se defender, além da carniça que lhe é peculiar.


O nome dessa gracinha de bicho é utilizado para batizar um filme sobre advogados. É a sina dessa profissão que por acaso é a minha. Os advogados são execrados pela raça humana. Somos os parasitas, os sugadores de sangue, os aproveitadores. Muito dessa fama faz bastante sentido tendo em vista que, em sua forma mais básica, a advocacia nada mais é do que uma profissão que tira proveito dos problemas alheios. Em uma sociedade sem problemas, os advogados não se criam. Da mesma forma, no mundo animal, sem o ciclo da vida e da morte, os caranchos/carcarás não existiriam.

Esse filme argentino, dirigido por Pablo Trapero e estrelado por Ricardo Darín (O Segredo de seus Olhos, que será comentado aqui em breve) e Martina Gusman é o representante daquele país no Oscar de 2011. Nós temos Lula, o Filho do Brasil e eles tem Carancho. A comparação é até injusta mas para o coitado do carcará...

Carancho é um fime sério, grave, que denuncia a indústria da indenização resultante de acidentes de trânsito. Advogados inescrupulosos se aproveitam de um sistema corrupto para prosperar literalmente com mortes e mutilações, ficando com a parcela "do leão" e deixando as vítimas com muito pouco. São, literalmente, os chamados "advogados de porta de cadeia" ou, mais literalmente em inglês, "ambulance chasers" ou "perseguidores de ambulância".

Sosa (vivido pelo excelente Darín) é uma dos maiores experts na técnica de perseguir ambulâncias. Ele tem contatos que vão desde os paramédicos, até a polícia e a administração dos hospitais. Ele consegue detectar casos polpudos dessa maneira. Esse Carancho não é mais advogado, porém. Teve sua licença caçada, algo que não surpreende tendo em vista a forma que ele vive e o que ele faz. Acho que essa cassação deve ter sido uma amenizada que Pablo Trapero deu no ataque (justo) à profissão do advogado, mostrando que a Ordem dos Advogados não coaduna com esse tipo de advocacia. Mas as concessões de Trapero param por aí. O que ele mostra é só desgraça, só atitudes para lá da ética.

Sosa se encontra com Luján (a bela Martina Gusman), uma paramédica nova, que não conhece o esquema sórdido que está por trás de seu dia-a-dia. Os dois se envolvem emocionalmente e Sosa acaba tragando-a para seu submundo. Luján, porém, tem seus próprios problemas pois, para aguentar seus plantões, viciou-se em morfina. É mais um elemento de sujeira nesse universo dos personagens.

A partir desse amor insólito - Sosa parece ser bem mais velho que Luján - a coisa vai ladeira abaixo. Trapero não perdoa ninguém e não faz um filme limpo. Seu estilo realidade é uma espécie de despertador para um dia-a-dia que pouco conhecemos e, para dizer a verdade, estávamos melhor antes de conhece-lo.

Mas Carancho é apenas um filme competente, não uma obra-prima. A atuação dos protagonistas é ótima e convincente, especialmente Ricardo Darín. O terço final do filme, porém, soa apressado e mal ajambrado, criando - e resolvendo - uma situação em que o casal se mete de maneira muito simplista e de improviso, sem deixar que os personagens vão para aquela direção naturalmente. Os últimos segundos de filme quase compensam esse defeito, no entanto, pois Trapero não nos apresenta uma solução fácil.

Os carcarás certamente não gostarão nada desse filme.

Mais sobre o filme: IMDB e Rotten Tomatoes.

Nota: 8 de 10

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