sábado, 27 de novembro de 2010

Crítica de filme: The Social Network (A Rede Social)

Vi A Rede Social quase no dia da estréia nos Estados Unidos. O pedigree era muito bom já que o diretor, David Fincher, é sensacional. Ele fez Seven, The Game, Clube da Luta, Quarto do Pânico e Zodíaco. Seu filme imediatamente anterior, O Curioso Caso de Benjamim Button, foi o que menos gostei de sua carreira, ainda que seja uma boa obra.

Assim, entrei no cinema seguro que veria um grande filme, ainda que o tema - a história do Facebook - não me parecesse lá assim tão interessante, tendo em vista que trata de eventos de meros sete anos e sobre uma mídia social que pouco utilizo (talvez eu seja velho demais para ela, não sei).

Mas saí do cinema totalmente de queixo caído.

A Rede Social é um grande filme, talvez o melhor do ano até agora, melhor até mesmo que Inception, ainda que seja difícil fazer qualquer comparação justa já que os temas e estilos dos dois filmes são completamente diferentes. Talvez A Rede Social seja um filme mais completo, porque consegue unir, sem erros perceptíveis, um grande elenco, uma estória surpreendentemente intrigante, um roteiro perfeito e uma direção segura, brilhante mesmo.

Vamos esquecer por um momento que A Rede Social é baseado, em princípio, em fatos, ou seja, no surgimento do Facebook pelas mãos de seu criador Mark Zuckerberg. Vamos esquecer, para fins dessa conversa inicial, o que porventura podemos achar do personagem e dos demais participantes da trama na vida real, inclusive e especialmente para nós, do brasileiro Eduardo Saverin. Vamos esquecer, também, tudo o que sabemos - ou não sabemos - sobre o Facebook. Analisemos o filme como uma obra inteiramente de ficção pelos próximos parágrafos, ainda que eu vá voltar à realidade no final dessa crítica.

Pois bem, esqueceram?

Então vamos lá.

Jesse Eisenberg (Zombieland) faz o papel do gênio da computação e estudante de Harvard sem nenhuma habilidade social, Mark Zuckerberg que, em determinado momento, irritado por uma bizarra discussão que teve com sua namorada, levando ao fim da relação, resolve se vingar criando uma ferramenta que faça o ranking das meninas mais bonitas de sua faculdade. Ele troca idéias com seus colegas de quarto e parte para programar, em algumas horas, um insano site de comparação de mulheres, hackeando, para isso, a listagem (ou facebooks) de todas as fraternidades do campus. No processo, ele precisa desesperadamente de seu amigo brasileiro, o estudante de economia Eduardo Saverin (Andrew Garfield) pois ele conhece uma equação matemática necessária para seu plano "maquiavélico".

Em horas, todo mundo de Harvard acessa seu site, batizado de Facemash, para votar na menina mais bonita acarretando a queda dos servidores da faculdade diante do inusitado tráfego gerado. Imediatamente Zuckerberg chama a atenção de toda a comunidade da faculdade, especialmente do reitor e dos irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (vividos por Armie Hammer).

Do reitor e da comissão que analisa seu caso, poucas consequências práticas fluem, apesar de uma excelente cena de acareação, em que Zuckerberg menospreza o sistema de informática da faculdade. No entanto, da relação com os Winklevoss, nasce o Facebook, a rede social de maior sucesso do planeta, com 500 milhões de usuários em 2010. Os irmãos contratam Zuckerberg para criar um rede fechada de amizades, como se fosse um clube exclusivo.

Zuckerberg, então, usurpa a idéia, ignora os Winklevoss e lança, junto com Saverin, que providencia a modesta quantia necessária, o site The Facebook. Evidentemente, os irmãos, de família abastada, não gostam do que vêem mas tentam de toda maneira chegar a um acordo com Zuckerberg.

Ao mesmo tempo, os criadores do The Facebook fazem amizade com um elétrico Sean Parker (Justin Timberlake), fundador do Napster e que vive a vida de seu sucesso passado, como se ele fosse uma locomotiva sem freio. A relação de Zuckerberg com Parker acaba levando o Facebook para  a California e retirando Saverin da jogada. Assim, Zuckerberg, o gênio anti-social, acaba enfrentando duas ações judiciais.

Mas o filme não é "de tribunal". As duas ações judiciais são todas elas em fase "pre-trial", que envolve apenas as partes, seus advogados e longos depoimentos ao redor de uma mesa de escritório. É uma espécie de preparação para a efetiva briga judicial.

David Fincher inicia o filme no passado, com o tal diálogo entre Zuckerberg e sua namorada. O diálogo é impressionante por ser muito bem escrito e costurado, demonstrando com clareza a personalidade do personagem principal. Eles começam discutindo sobre clubes exclusivos, mostram a obsessão de Zuckerberg em entrar em um deles, a hesitação de sua namorada e todo o inferno que é criado a partir daí. Fincher, então, corta para a mesa de depoimentos e, a partir daí, o filme vai e volta mas sempre de maneira relevante para o impulso da trama.

Eisenberg, um ator que até então considerava bem inexpressivo, nos convence piamente da personalidade perturbada e genial de seu personagem. Ele consegue transmitir a exata dose de nerdice e incapacidade no trato social que o personagem exige, atraindo olhares de admiração da platéia, ao mesmo tempo em que consegue, em determinadas cenas, dar asco. Vemos logo de cara que Zuckerberg é um ser diferente, uma espécie de Rain Man do mundo da computação, que mostra que está em casa em frente a um computador mas que é completamente alheio ao que acontece ao seu redor, como se não tivesse sentimentos. Mas Eisenberg consegue deixar aquela dúvida no espectador: ele é assim mesmo, gerando o sentimento de pena por suas limitações ou ele finge que é assim, gerando o sentimento de ódio por suas inações?

Andrew Garfield (recém eleito para viver Peter Parker no recomeço da franquia Homem-Aranha pela Sony) faz um rapaz inocente mas que acredita e confia cegamente eu seu amigo. Ele jamais imaginaria o que estaria por vir e só acredita quando um contrato bastante injusto é esfregado em seu rosto. Talvez seja o personagem mais raso de todo o filme mas isso não é exatamente algo ruim. O foco é Zuckerberg. Saverin faz uma espécie de antítese total, o amigo fiel e bonitão que é traído. O empreendedor que é enganado. David Fincher tomou uma clara posição quanto ao que acha de Zuckerberg, criando um Saverin mais simples e, portanto, mais fácil de simpatizarmos em detrimento a Zuckerberg.

Sobre Armie Hammer, farei uma confissão que sempre me envergonha quando conto para amigos. Ele me lembra Gary Sinise. Não porque eles se parecem ou porque Hammer tem as mesmas qualidades dramáticas de Sinise mas sim por causa de Forrest Gump.

Explico rapidamente: quando assisti ao filme com Tom Hanks, nunca tinha ouvido falar em Gary Sinise e eu literalmente acreditei que ele não tinha as duas pernas. É, podem rir à vontade. Eu achei que teria sido mais fácil, para a equipe de efeitos especiais, colocar as pernas dele por alguns momentos no começo do filme do que retirá-las para a maioria do tempo do filme. Armie Hammer é Sinise para mim pois nunca tinha ouvido falar nele e acreditei que ele teria um irmão gêmeo de verdade e que os dois estavam fazendo o papel dos Winklevoss. Sim, um raio cai no mesmo lugar duas vezes. E olha que não sou exatamente iletrado em filmes. Foi idiotice, eu confesso.

Mas eu divago. Armie Hammer está muito bem como os dois irmãos também enganados por Zuckerberg. Ele passa duas personalidades próximas mas diferentes, uma mais aguerrida e a outra mais contemporizadora com bastante segurança e um alto grau de convencimento.

A estrela do filme, porém, para minha absoluta surpresa, foi Justin Timberlake. Quando li que ele seria um dos atores do filme eu me imaginei em um diálogo com o diretor indagando o que se passava na cabeça dele por escalar um cara tão improvável.

No entanto, Timberlake arrasa. Seu personagem está ligado todo o tempo em 220 volts e ele consegue literalmente criar alguém odioso, um verdadeiro monstro por detrás de seu simpático, aberto e divertido semblante. Sempre relaxado, Sean Parker é retratado como a serpente no paraíso, um ser abjeto que vive de seu duvidoso sucesso passado ("eu destruí a indústria fonográfica" ele fala com orgulho) mas que precisa sugar sucessos alheios para se manter vivo. É um parasita, um sanguessuga, mas é maravilhoso ver Timberlake nesse papel. Eu arriscaria dizer que ele merece ao menos a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante.

A direção de Fincher chegou, talvez, ao seu ponto máximo. Tenho muita curiosidade para ver seu próximo filme, Os Homens que Não Amavam as Mulheres (que será lançado em 2011), mas acho difícil ele conseguir se superar. Ele faz aqui o que fez em Zodíaco. Pega uma estória sob um ponto de vista muito particular e faz mágica. O uso de flashbacks no filme, com transições exatas entre cenas que se complementam com perfeição apesar da distância temporal, é inacreditável. Quem acha que fizeram isso muito bem em Lost, não saberão o que é o uso preciso dessa técnica sem ver A Rede Social.

Além disso, tenho que creditar grande parte da qualidade da atuação dos jovens atores que comentei acima ao diretor. Essa deve ser uma das funções mais complexas de um diretor e Fincher sempre se mostrou um mestre nisso: Brad Pitt atua maravilhosamente bem em Seven, Clube da Luta e Benjamin Button; Jodie Foster sai convincentemente de sua personagem-padrão em O Quarto do Pânico e tanto Mark Ruffalo quanto Jake Gyllenhaal estão sensacionais em Zodíaco.

O roteiro de Aaron Sorkin, com base no livro The Accidental Billionaires (Bilionários por Acaso: A Criação do Facebook) de Ben Mezrich não tem falhas. Ele faz uso de diálogos rápidos e brilhantes, que passam com perfeição, em poucas palavras, a personalidade de seus personagens. Ao mesmo tempo, ele não se esquiva de apresentar conceitos matemáticos e de programação e, claro, sobre redes sociais. No entanto, ele o faz de maneira descomplicada e didática, sem parecer que o filme parou para que seja feito um esclarecimento ao espectador. Não é, definitivamente, um daqueles filmes ou séries de TV em que há sempre um personagem que nada sabe apenas para que ele tenha que fazer as perguntas idiotas e receber as explicações mais banais. A fluidez do roteiro, no entanto, exige sagacidade pois o espectador é bombardeado com frases longas, faladas com enorme rapidez, sendo o exemplo máximo disso o tal diálogo de abertura que começa no meio e exige concentração para entendermos logo de cara. É como se pulássemos em uma esteira já a 20 km por hora.

Eu poderia parar por aqui, acho que já escrevi demais, mas é que esse filme realmente me animou muito e eu prometi voltar à questão da realidade em que o filme e o livro se basearam. Há um enorme debate sobre a honestidade do livro sobre o que efetivamente aconteceu e, até mesmo, se David Fincher, ao dirigir o filme, não deixou transparecer sua compaixão a Saverin e aos Winklevoss, propositalmente rebaixando Zuckerberg. Logo de cara, para efeitos do filme, essa discussão é bastante inútil pois Fincher fez uma obra de ficção, ainda que fortemente calcada na realidade ou, ao menos, em uma versão da realidade.

Mas filmes e livros são assim. Eu diria mais: devem ser assim. A imparcialidade total normalmente gera monotonia e fica melhor colocada em um documentário. A Rede Social não é, definitivamente, um documentário. Acontece que Fincher não é um diretor tacanho, de visão turva e maniqueísta. Como eu tentei deixar claro acima, Zuckerberg é retratado como um ser complexo, de várias camadas e de difícil leitura. Podemos achar que o verdadeiro Zuckerberg é isso ou aquilo mas Fincher não deixa margens para dúvidas que ele é um gênio. Pode não ter criado o Facebook sozinho mas ele teve, ao menos, um enorme fatia de participação e talvez efetivamente mereça todo o sucesso que teve. Fincher não destrói Zuckerberg, porém.

Se já tivermos na cabeça que não gostamos da pessoa, o filme poderá ser facilmente visto como o retrato de um traidor monstruoso, que não se importa pelos sentimentos das pessoas. Por outro lado, se gostarmos de Zuckerberg, podemos ver o personagem do filme como um gênio perturbado, de limitadíssima - ou inexiste - habilidade para o trato social que acaba, sem querer, ferindo gravemente os sentimentos de todos ao seu redor. Podemos entender, também, que ele é alguém que foi manipulado por Sean Parker e que sabe o que fez mas que simplesmente não consegue olhar no rosto de um amigo ou namorada e pedir desculpas.

Essa é a beleza de filmes como esse de Fincher: permite olharmos da maneira como acharmos que devemos olhar. É linear (apesar dos flashbacks) mas ao mesmo tempo profundo. Exige a discussão posterior e os aplausos dos espectadores. Dentre todas essas dúvidas, podemos ainda acrescer a dúvida sobre se as redes sociais são efêmeras ou se vieram para ficar. Se são modismos passageiros ou se são o futuro. Apenas uma dúvida não resta: A Rede Social é um clássico que será lembrado.

O filme estréia no Brasil no dia 03 de dezembro.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes e Box Office Mojo.

Nota: 10 de 10

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