sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Crítica de filme: The King's Speech (O Discurso do Rei)

O Discurso do Rei talvez seja o filme que concorre ao Oscar de Melhor Filme que eu tenha tido mais dificuldade de comentar. Havia lido as críticas, estava empolgado para assistir. Depois do filme, saí com um sorriso no rosto, satisfeito e essa sensação perdurou por uns 5 minutos. Aí comecei a me perguntar se o filme não era carregado nos aspectos sentimentalóides, daqueles que são criados para dirigir o gosto do público para chegar a determinada conclusão, como se fosse um massagista que sabe tocar nos pontos corretos para dar uma sensação de alívio.


E concluí que sim, O Discurso do Rei é um filme para manobrar as massas, feito com cuidado para ser "filme de Oscar". Nada contra, vejam bem, apenas não é a maravilha que dizem por aí.

Explicarei o que quero dizer em detalhes (pelo menos eu vou tentar) mas, antes, quero deixar bem claro que o filme, mesmo assim, ainda é muito bom e merece ser visto.

O Discurso do Rei nos conta a estória da ascensão do Duque de York a rei da Inglaterra - Rei George VI (Colin Firth) - depois da morte de seu pai (Rei George V - Michael Gambon) e da renúncia de seu irmão, o Rei Edward VIII (Guy Pearce). Acontece que, em um dos momentos em que a Inglaterra mais precisava, às vésperas da 2ª Guerra Mundial, o Rei não conseguia falar em público pois tinha ataques fortíssimos de uma insuportável gagueira. Entra na estória, então, Lionel Logue (Geoffrey Rush), um fonoaudiólogo pouco convencional que consegue mostrar progresso no tratamento do rei, que já havia passado pelas mãos de dezenas de outros especialistas.

A estória é pouco conhecida e tem um interessantíssimo aspecto íntimo ao mesmo tempo que tem grande reflexo na História, considerando o sofrimento dos ingleses durante esse período e a resistência deles aos avanços de Hitler, algo que o resto do Ocidente demorou ainda mais para perceber. Assim, eu seu âmago, a estória de O Discurso do Rei é engajante e emocionante.

Colin Firth talvez seja o melhor ator vivo. Eu já o havia elogiado em seu impressionante papel em Direito de Amar e eu repito os elogios aqui: ele está sensacional como o Rei George VI. De todos os atores que já interpretaram papéis de pessoas com alguma deficiência - Daniel Day-Lewis, Dustin Hoffman e Tom Hanks vêm logo à mente - Firth é o que se dá melhor e, diria ainda, muito melhor, anos-luz na frente dos outros. E isso porque Colin Firth consegue passar humanidade, dignidade, medo, inteligência ao mesmo tempo apenas com o olhar. Ele comanda as cenas em que aparece sem precisar ser uma figura imponente. Ele é o Rei e nós sentimos confiança nele, sentimos a capacidade do homem embaixo da coroa. E, além de tudo, ele é gago. Mas não é o gago clichê que vemos por aí. Ele é um gago atormentado, aterrorizado mesmo.

Eu sempre digo que interpretar pessoas com deficiências é mais "fácil" do que interpretar pessoas sem deficiência e mantenho esse raciocínio. É mais difícil nós nos impressionarmos com a atuação de atores fazendo pessoas sem deficiência pois podemos mais facilmente nos colocar nos sapatos do ator e não achar nada demais. Quando vemos um ator fazendo alguém com alguma deficiência, por ser mais difícil nos colocarmos no lugar dele, achamos que a atuação é mais sensacional. Não é um raciocínio sem pé nem cabeça e não estou aqui menosprezando os atores que já fizeram papéis de deficiente. Apenas quero dizer que, por exemplo, Anthony Hopkins fazendo o mordomo de Vestígios do Dia é um ator em sua plenitude, não recorrendo a aspectos alheios à sua atuação (como a simpatia que automaticamente sentimos por um deficiente) para fazer um grande papel. É por essa razão, por exemplo, que acho o papel de Firth em Direito de Amar ainda melhor que nesse filme mas por muito pouco pois, novamente, dentre todos os atores fazendo deficientes que já vi no cinema, ele é o que conseguiu melhor unir as características dos dois "tipos" de atuação.

Um brinde à Firth e espero que, como já vem acontecendo, ele ganhe todos os prêmios possíveis por seu papel em O Discurso do Rei.

Helena Bonham Carter faz a esposa do rei, a Rainha Mãe. Pela primeira vez em muito tempo, consegui vê-la atuando em um papel normal, não histriônico e caricato e descobri uma ótima atriz por detrás das suas outras atuações. Aqui eu acho que o diretor Tom Hooper merece os elogios pois conseguiu extrair da atriz uma excelente atuação.

E finalmente, temos Geoffrey Rush como o médico e amigo do rei. Como sempre, Rush não desaponta mas também não faz a atuação de sua vida. O papel não ajuda muito, na verdade, uma vez que ele funciona quase que como um alívio cômico.

E é aí que eu entro novamente em meus comentários iniciais sobre a capacidade do roteirista David Seidler e do diretor em manipular a audiência de forma que ela saia achando que esse é o melhor filme já feito na história da humanidade (ou algo do gênero, sei que estou exagerando). Rush tem seu papel diminuído a um alívio cômico, como já disse. Como é um grande ator, ele acaba se saindo bem acima da média mas, no final das contas, seu personagem não passa disso: um excêntrico fonoaudiólogo que faz piadas com o rei. É claro que há conversar sérias dele com o rei, especialmente a que os dois tem andando no parque mas, novamente, ela é uma conversa que manipula e cria determinada situação na estória para permitir o final do filme. O roteiros é cuidadosamente elaborado para "trabalhar" o público.

A trilha sonora também tem a mesma função. Aumenta e diminui e cria aqueles suspenses artificiais como se Tom Hooper tivesse dúvida da eficácia do roteiro por si só. Novamente, manipulação dos sentimentos da audiência.

Finalmente, o trabalho de câmera e a edição trabalham na mesma linha, sempre tentando criar algo que não existe, surpreendendo a platéia.

Mas o que são filmes que não a manipulação de sentimentos, alguns perguntarão. De fato. Não tenho como abstrair-me disso mas há manipulações e manipulações. Umas são discretas como as de A Rede Social, Cisne Negro e Bravura Indômita, outras são mais claras como em O Discurso do Rei. Trata-se de um defeito? Nem todos concordarão comigo que é sim um defeito e eu respeito esse ponto-de-vista mas, no meu livro, esse tipo de cuidado apenas para criar o efeito desejado na platéia, impede-me de coroar algum filme como obra-prima.

O Discurso do Rei concorre a 12 Oscar: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator (Colin Firth), Melhor Ator Coadjuvante (Geoffrey Rush), Melhor Atriz Coadjuvante (Helena Bonham Carter), Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição, Melhor Figurino, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Mixagem de Som.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 8,5 de 10

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."