quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Crítica de filme: True Grit (2010) (Bravura Indômita - 2010)

Vou começar com um esclarecimento: apesar de eu ter comentado o Bravura Indômita de 1969 na crítica anterior, o filme atual, dos irmãos Coen, não é, como muitos podem achar, um remake propriamente dito. Trata-se de uma nova adaptação do livro de mesmo nome, escrito por Charles Portis em 1968. Diferente de, por exemplo, Deixe-me Entrar, em que o diretor foi claro que faria um remake do filme sueco e não uma nova adaptação do livro, os irmãos Coen deixaram claro que voltariam à fonte para fazer um filme deles.


E foi mesmo o que fizeram. O novo Bravura Indômita é mesmo um filme dos irmãos Coen, ainda que um dos mais lineares que eles já criaram. Dentro do conceito de dar mais realismo aos westerns, algo muito comum hoje em dia e cuja tendência talvez tenha sido inaugurada por Clint Eastwood com seu sensacional Os Imperdoáveis de 1992, os Coen retiram a grandiosidade, a caricatura e o maniqueísmo do filme de 1969 e trazem tudo de "volta à Terra". Agora, os heróis continuam heróis mas tem terríveis falhas que não são necessariamente consertadas ao longo do filme. O assassinato é banalizado e tratado com todo o grafismo que é marca dos Coen (afinal, eles moeram uma pessoa em um triturador de madeira...). Nesse novo filme, ninguém acerta em alvos que não vê, ninguém deixa de matar se puder.

Em inspiradíssima escalação de elenco, Jeff Bridges foi chamado para calçar os sapatos do quase insubstituível John Wayne do original. Wayne, na verdade, nunca poderia figurar nessa versão de Bravura Indômita pois sua persona maior do que a vida não combina com o tratamento dado pelos irmãos Coen. Assim, "The Duke" foi substituído por "The Dude", que consegue fazer outro memorável agente federal Rooster Cogburn, bêbado, barrigudo e cansado.

O mesmo aconteceu com Matt Damon, no papel do Texas Ranger Le Boeuf, que antes foi de Glen Campbell. Mas, nesse caso em particular, acho que Damon, inspirado em seu papel sobrenatural em Além da Vida, "canalizou" Campbell, pois ele conseguiu ficar igual - aparência e trejeitos - ao primeiro ator. Impressionante.

Mas quem consegue roubar a cena completamente é Hailee Steinfeld, a atriz mirim estreante (em longas) de 14 anos, no papel de Mattie Ross. Seu papel é tão marcante e ela o faz tão bem, que consegue até mesmo apagar Jeff Bridges e Matt Damon quando estão juntos em cena. Não dá para entender como ela concorre ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, se seu papel é o principal...

Enquanto que é possível dizer que o filme de 1969 tem suas lentes focadas na presença marcante de John Wayne e seu Rooster Cogburn, no filme dos irmãos Coen isso não acontece. Quando Mattie Ross está em cena, só vemos a menina. Não posso afirmar que o mérito todo está nas mãos da atriz pois o papel - mesmo no primeiro filme - é mesmo muito forte e interessante, uma brilhante criação de Portis. Além disso, os Coen fizeram um filme menor em escopo, mais intimista, em que ela chama mais atenção ainda.

A relação entre Cogburn e Mattie tem destaque no filme, até mesmo com uma das grandes mexidas dos Coen na estrutura da estória: em determinado momento, eles desmantelam o trio principal, permitindo mais tempo de tela para a dupla principal e, no final das contas, conseguindo até uma solução melhor para o filme e o famoso encontro de Mattie com o assassino de seu pai, Tom Chaney (Josh Brolin no que se pode chamar de uma ponta de luxo).

Sobre a estória, ela já é conhecida: o pai de Mattie Ross é assassinado e ela contrata Rooster Cogburn, um experiente agente federal, para caçar o assassino. O problema é que a garota é mandona e quer ir junto na caçada. Além disso, La Boeuf, o Texas Ranger, também quer achar Tom Chaney por outras razões mas Mattie não o quer junto pois La Boeuf pretende capturar e levar Chaney a julgamento no Texas, por um crime diferente.

Eu não poderia acabar esses comentários sem falar do final mas, fiquem tranquilos, sem spoilers, eu prometo. Perto da resolução do filme, Matty está em uma enrascada, como todos podem deduzir. No filme original, substancialmente a mesma coisa acontece mas o diretor Henry Hathaway conseguiu encaixar melhor o evento do que os Coen, que parecem forçar a cena. Acaba ficando um tanto quanto aleatória mas, quase que retirando um ás da manga, os irmãos compensam o problem ao incluírem um epílogo, tal qual o livro, contando os acontecimentos posteriores. A atmosfera fica pesada e as peças acabam se encaixando perfeitamente, incluindo uma espécie de relação amorosa distante entre o velho Cogburn e a pequena Mattie, algo que nem de longe está no primeiro filme mas que é trazida à tona pelos Coen.

Em suma, quem espera do novo Bravura Indômita o mesmo espírito tranquilo e aventureiro do primeiro filme, pode esquecer. Os Coen trabalham com o western barra pesada, triste, sujo, sem heróis. Não é um filme de todo sem humor mas ele está debaixo de algumas camadas de pesar. É uma outra obra mas, da mesma maneira que o primeiro, um grande filme sob qualquer ótica.

O filme concorre a 10 Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator (Jeff Bridges), Melhor Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Melhor Fotografia, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 10 de 10

3 comentários:

  1. Infelizmente terei de assistir este filme em dvd já que o cinema da região aqui prefere exibir coisas como Zé Colméia ¬¬... Alias, excelente crítica.

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  2. Obrigado pelo elogio. Realmente, é uma pena que o sistema de distribuição cinematográfica, no Brasil, seja tão acanhado. Temos poucos cinemas e, em cidades com poucas telas, filmes como Bravura Indômita invariavelmente dão lugar a outros de apelo mais, digamos, popular. Mas veja sim em DVD pois, diferente do filme de 69, o atual não tem aquelas imagens épicas típicas de filmes de cowboy mais antigos.

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  3. "Bravura Indômita" é realmente um bom filme. Vendo o filme, vi que merecia ganhar pela Fotografia. E, apesar da tradição da Academia de não premiar atores mirins ou principiantes (o sortudo, que quebrou a tradição, foi o menino de Kramer vs Kramer), elogio muito Hailee Steinfeld por sua atuação. Ela concorreu como coadjuvante (situação vista antes com atores bem jovens, porém fazendo papéis principais, como Haley Joel Osment e Abigail Breslin, por "O Sexto Sentido" e "Pequena Miss Sunshine", respectivamente)por ter mais condições de disputar o prêmio do que na categoria principal (apesar dela estar em todas as cenas do filme). Poderia ter vencido a disputa, já que não gostei muito da Melissa Leo, ganhadora do Oscar por "O Vencedor".

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."