quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Crítica de filme: Winter's Bone (Inverno da Alma)

Esse filme é oriundo do festival Sundance de 2010, quando ficou sob os holofotes, tornando-se o queridinho da festa (ganhou o grande prêmio do júri e o prêmio de roteiro). No entanto, além da atuação embasbacante da novata Jennifer Lawrence como Ree e uma cena, o filme não oferece muito mais para merecer esse destaque todo e certamente nunca uma indicação de Melhor Filme no Oscar.


Talvez seu sucesso em Sundance tenha sido muito relacionado com o fato de mostrar uma realidade americana que os próprios americanos desconhecem (ou preferem negar que existe) mas que, em outras partes do mundo, não choca tanto. De toda forma, além de Melhor Filme, Inverno da Alma concorre aos Oscar de Melhor Atriz (Jennifer Lawrence), Melhor Ator Coadjuvante (John Hawkes) e Melhor Roteiro Adaptado.

Quando falamos de caipiras americanos, logo nos vêm à mente filmes como Amargo Pesadelo (Deliverance) em que eles são retratados como estupradores malucos ou Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes - o original) em que eles são verdadeiras monstruosidades mutantes. Em Inverno da Alma, o foco é nos tais caipiras americanos mas agora os vemos sem as lentes deturpadas dos filmes que citei.

Mas o que vemos sem essa lente não é algo muito melhor. Aos pés das montanhas Ozark, que se localizam bem no centro dos EUA, nos estados de Arkansas, Missouri, Oklahoma e Kansas, somos apresentados a uma pequena vila em que todos os habitantes vivem, de uma maneira ou de outra, dependentes da fabricação e tráfico de metanfentaminas (o conhecido "meth") e outras drogas.

Ree é uma menina de 17 anos que, sozinha, cuida de sua mãe catatônica e de um casal de irmãos menores. A vida é dura nesse fim de mundo e a ausência do pai é sentida já que não há qualquer fonte de renda, nem mesmo o suficiente para comprar feno para o magérrimo cavalo da família. Ree vive de sua capacidade de se virar no meio do mato, caçando esquilos e cozinhando o que dá e da bondade da vizinha e amigos. Em  determinado momento, depois de caçar esquilos e Ree fazer seu irmão retirar as entranhas dos bichos, ele pergunta se eles comerão tudo o que ele tirou e ela responde que "no momento, não". Ou seja, é a miséria do white trash americano. Diferentemente de filmes sobre a pobreza nos Estados Unidos, esse não é sobre uma família negra mas sim branca e loura e talvez venha daí a tal realidade americana que os próprios americanos não sabem ou não querem saber que existe.

O catalisador do filme é a visita do xerife local (Garret Dillahunt da finada série Terminator: The Sarah Connor Chronicles)  à casa de Ree para informá-la que, se o pai da menina não aparecer em uma audiência em alguns dias, a propriedade da família, que foi dada como garantia para o pagamento da fiança, será tomada deles. Desesperada mas mantendo a frieza, Ree passa a caçar o pai que, assim como os demais habitantes da cidade, vive de fabricar (ou "cozinhar") drogas. Para isso, ela tem que falar com seu tio violento, Teardrop (John Hawkes) e com o chefão das drogas local. É uma tarefa arriscadíssima.

E aí o filme começa a se despedaçar. Ok, a menina de 17 anos, movida pelo instinto de sobrevivência, precisa evitar que ela perca a casa da família. Entendo que isso seja realmente algo grave e que a menina fique desesperada. Acontece que ela, de durona e fria - e ela tem que ser para cuidar da família - passa a ser uma super-heroína que não sente medo de nada e enfrenta qualquer coisa. Compreendo que enfrentar seus medos faz parte do processo de crescimento mas acontece que ela nem parece que está com medo, mais ou menos do mesmo jeito que o Stallone acha tranquilo enfrentar, apenas com um palito de dentes, um exército de mercenários armados até os dentes.

Para tornar a situação ainda mais perturbadora e caricata, Ree é uma linda garota (todos os demais personagens são feiosos), que não se droga (novamente, o oposto dos demais) e que tem uma retidão de caráter impressionante (obviamente, algo que está longe dos demais personagens). Em suma, é mais rasa em termos de criação de personagem do que o Superman em seus filmes. E veja que isso não é culpa de Jennifer Lawrence. Sua capacidade de atuação não está em jogo já que ela se mostra com um grande futuro pela frente. Ainda está muito cedo para darem um Oscar para ela (ainda que a indicação tenha sido justa) mas ela certamente está no caminho correto para amealhar muitas estatuetas.

Bom, voltando ao filme, falemos dos personagens coadjuvantes. John Hawkes está bem como Teardrop (mas não para levar a estatueta de ator coadjuvante), o tipo ranzinza de Ree, mas o personagem dele, o drogado durão que é temido por todos, é igualmente unidimensional e, em última análise, mal aproveitado. O mesmo vale para todos os demais. Em conjunto, os coadjuvantes são apenas apresentados na estória para "resolver um problema" específico e pontual (uma alimenta o cavalo, outra empresta o carro e por aí vai), sem qualquer função maior na trama.

Mas o clímax é sensacional. Ficarei em silêncio para não estragar nada para ninguém mas esse momento no filme é impressionante e mostra mesmo toda a desgraça do local e a incrível atuação de Jennifer Lawrence em todo seu potencial. O problema é que os eventos que antecedem o clímax, inclusive uma importante cena no celeiro do chefão das drogas (também não vou descrever para não estragar) tornam-se quase sem sentido diante da conclusão, mostrando como o roteiro "força a barra" para criar situações completamente improváveis.

Ainda estou para ver um filme sobre caipiras americanos que seja realmente decente. Inverno da Alma parecia um passo na direção certa mas a diretora Debra Granik acaba não conseguindo fazer sua obra decolar. Uma pena.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 5 de 10

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