sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Crítica de filme: A Separação (Jodaeiye Nader az Simin)

Em sua superfície, A Separação é um filme que trata sobre isso mesmo, uma separação. O casal, de uma classe mais alta iraniana, claramente ainda se ama mas Simin (Leila Hatami) acredita que, se eles se mudarem para o exterior, a filha do casal, Termeh (Sarina Farhadi), terá melhores chances na vida. Nader (Peyman Maadi) é contra a mudança pois ele precisa ficar para cuidar de seu pai idoso e que sofre de Alzheimer (Ali-Asghar Shahbazi). Assim, para Simin, a separação é a única solução mas desde que, claro, Nader abra mão de Termeh, algo que ele se recusa a fazer.


Quando o filme começa, a câmera focaliza Simin e Nader tendo a discussão acima perante o que julgamos ser um juiz. O resultado é que a separação não é concedida mas Simin resolve ir para a casa dos pais. Termeh fica com Nader ajudando-o a cuidar do pai. No entanto, claro, a ausência de Simin é sentida e, a partir daí, o filme realmente começa.

Sem Simin, Nader tem que contratar alguém para cuidar da casa e, no mínimo, olhar por seu pai que piora a cada dia. Entra, então, Razieh (Sareh Bayat), mulher mais humilde e altamente religiosa que passa a cuidar da casa e, por consequência, do senhor idoso (apesar de sua enorme relutância nesse sentido, ligando até para um serviço telefônico de "disque-pecado" para saber se trocar as calças de um idoso com Alzheimer e que se urinou todo é ou não um ato pecaminoso).

Contar mais é estragar o filme mas basta dizer que, a partir daí, as coisas pioram muito para o casal Simin e Nader, especialmente para Nader. Grande parte do filme se passa em um tribunal mas não como estamos acostumados a ver em filmes hollywoodianos. No Irã, conforme mostra o filme (não saberia dizer se é assim mesmo ou se o diretor exagerou mas tenho para mim que é assim mesmo) a informalidade impera, com Juízes dando opiniões o tempo todo e pedindo depoimentos que poderiam ser facilmente alterados por alguém de má fé. Advogados basicamente não existem.

O diretor e roteirista, Asghar Farhadi, navega por águas turbulentas e apresenta um filme brilhante, com caracterizações e atuações inesquecíveis. Tudo é muito intimista mas funciona para mostrar a sociedade iraniana com um todo, sem tomar partido.

O grande ponto que, para mim, o diretor quis mostrar, porém, é o quanto a verdade é relativa. Há um acontecimento no filme que catalisa o julgamento que mencionei e que serve para mostrar a natureza humana (pouco importa se é um humano do Irã ou de um outro país) e as várias versões da verdade. Talvez seja o melhor trabalho nesse sentido depois de Rashomon, de Kurosawa. Quando Farhadi entra no aspecto religioso (novamente, sem julgar), ele o faz de maneira natural, sem chamar atenção para o fato e isso, de certa maneira, é que capaz de assombrar a nós, membros de sociedades em que a separação entre religião e estado é a norma (apesar de não haver a separação absoluta na prática). Eu, particularmente, fiquei de queixo caído com o quanto o "juramento sobre o Corão" é levado à sério. Tente contrastar isso com "juramentos sobre a Bíblia" para vocês perceberem o que estou falando.

Apesar de um roteiro incrível, bem amarrado e que não tem cenas irrelevantes, o que chama atenção mais ainda são as atuações. Peyman Maadi, Sareh Bayat e Shahab Hosseini (que faz Hadjat, o marido de Razieh) estão perfeitos em seus respectivos papéis. Leila Hatami está apenas correta, porém, sem comprometer o filme. Mas o grande destaque é mesmo Sarina Farhadi (no papel de Termeh, a filha do casal principal). Que coisa incrível. A garota passa o sentimento de angústia diretamente para nós, espectadores. Ela assiste a tudo o que está acontecendo quase sem poder fazer nada mas, ao mesmo tempo, suas ações demonstram uma monstruosa compreensão do que está ocorrendo. Seu mundo está desmoronando e ela sabe que talvez dependa dela a saída de tudo. Fico pensando se a atriz (filha do diretor, aliás) não tem uma maturidade que vai além de sua tenra idade. Se ela tem toda essa maturidade, fico por um lado feliz pois ela consegue nos brindar com uma atuação inesquecível mas, por outro, fico triste pois esse grau de sapiência me parece incompatível com uma infância que tenha sido realmente aproveitada. Mas quem sou eu para julgar? Fato é que Sarina Farhadi arrasa.

Muitos reclamarão do final do filme e não vou dizer o porquê pois qualquer pista estragaria o prazer de ver o filme. Mas vão por mim: esse era o único final possível. Se o diretor tivesse ido além, o final não seria compatível com o resto do filme. Assistam e impressionem-se.

A Separação concorre a dois Oscar: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro Original.

Mais sobre o filme: IMDB, Rotten Tomatoes, Box Office Mojo e Filmow.

Nota: 10 de 10

7 comentários:

  1. Concordo em tudo. Uma verdadeira obra-prima. Acho o roteiro fantástico, desenvolvendo muito bem seus personagens e intrigas, além do tribunal Kafkiano, repleto de burocracia. A direção com câmera na mão confere ainda um tom documental à obra, que muito me agrada e torna tudo mais verossímil.

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  2. Julio:

    O melhor é que a câmera lenta usada não irrita o espectador. É tudo feito na medida correta.

    Volte sempre!

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  3. Eu assisti ontem. Já tinha ouvido que era cinema de primeira. Do mesmo diretor, Asghar Farhadi, eu vi Darbareye Elly (Procurando Elly), que também vale muito a pena assistir, só não acredito que seja tão bom quanto A Separação. A possibilidade de "observar" uma pequena parte da sociedade do Irã foi o que mais agradou. O detalhe comentado no texto sobre a seriedade de se fazer um juramento sobre o Alcorão também me impressionou. As interpretações são muito boas, mas a filha Termeh realmente consegue comunicar suas frustações, dúvidas e angústias somente pelo olhar. Em resumo, um filme especial que nós faz refletir sobre as pequenas e grandes mentiras cotidianas.

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    1. Vou tentar assistir Procurando Elly. Obrigado pela recomendação.

      Sarina Farhadi dá um show de interpretação. É comovente ve-la absorvendo e processando as informações ao seu redor e passando sua interpretação de mundo.

      Obrigado por comentar aqui. Volte sempre!

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  5. O final realmente me trouxe muitas dúvidas. Eu entendo que era o único possível. No entanto, por que a personagem de Sarina preferiu manter silêncio? Deixa uma ambiguidade quanto a escolha dela que não existia antes. E lamento por essa separação pois esse casal visivelmente se ama.

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Pensem antes de escrever para escreverem algo com um mínimo de inteligência. Quando vocês escrevem idiotices, eu apenas me divirto e lembro de Mark Twain, que sabiamente disse "Devemos ser gratos aos idiotas. Sem eles, o resto de nós não seria bem sucedido."